sexta-feira, 30 de agosto de 2013

As guerras não são apenas notícias...

Foto: Carlos Azevêdo. Chapada dos Guimarães, 2011.
Parece tão óbvio isso. Há dias um desconforto me ronda. Angustia provocada por uma foto produzida em meio às mortes na Síria, nas últimas semanas. Crianças mortas, tantas... Imensurável dor. Fiquei pensando no “silêncio” das notícias nas páginas de revistas e jornais. No continuum de mortes cotidianas, em diferentes lugares do Planeta... Nessa saturação de imagens de guerras...
As notícias desorientam, anestesiam muitas vezes. Consumimos informação quase em tempo integral, real, tão tudo, ao mesmo tempo-agora que talvez estejamos rompendo com algo relevante para a produção social das notícias: um tempo para pensar sobre elas; a hierarquia dos acontecimentos talvez...
Não é possível, penso, conciliar a imagem das crianças mortas na Síria com a saturação de imagens nas telas de computadores, TVs, redes sociais, incluindo no mesmo tempo-espaço o entretenimento, a piada do momento, o meme, as denúncias contra corrupção, a cobertura do Mensalão, a vinda dos médicos estrangeiros para o Brasil, os novos vídeos de humor no youtube ... as fotografias das comidas que digerimos como se fossem uma mesma pauta.
É muito particular o que digo: mas me senti tão assustada povoada com os rostos das crianças forçadas a deixar seu lugar, sua vida. E fiquei me questionando sobre o que nos faz acreditar que superamos a barbárie e a banalidade do século passado, ou ainda pensar que num mundo globalizado as guerras são setoriais? E crer que só a “Liga da Justiça” dos países desenvolvidos é capaz de promover a paz.
Talvez tenhamos entrado no Século XXI sob o signo do terror da inconsciência, inconsistência, ou num autismo voluntário, não sei... Sinto que dói e assusta, desestabiliza o que resta de humano.

Por fim, essa semana, durante o apagão no Nordeste me surpreendi com o clima de “terror”, me senti num daqueles filmes apocalípticos, lembrei de Orson Wells, na Guerra dos Mundos. Porque era uma agonia generalizada nas ruas da cidade de João Pessoa, no trânsito. Embora o mar estivesse lindo, embora o apagão também fosse uma oportunidade de voltar ao ciclo do tempo natural, nos sentíamos perdidos, desamparados sem o signo da luz elétrica, formigas atônitas. Lembrei nesse interstício da ausência de luz no sertão da infância, no luar, nas estrelas, nas pessoas conversando à luz de velas e lamparinas, lembrei das histórias, dos nossos mitos. E quis esquecer o mundo e voltar à Caverna de Platão.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Mulheres Poemas...

Escrever é um ato de coragem, e um pouco de loucura. Me refiro a atitude consciente de buscar nas palavras uma forma de transcendência, política e expressão. Nas últimas décadas muitas das coisas que fiz vinculam-se a escrita, mas pelo caráter ainda sisudo das ciências, acabei por entre teses, dissertações e artigos acadêmicos vivendo, de certa maneira, um hiato - grande, porque não dizer – entre outras formas de narrar.
Entretanto foi na observação de algumas mulheres poemas que povoam meu cotidiano e imaginário que pude outra vez sentir o gosto, o desejo, de voltar a experimentar o texto, a partir de um espaço íntimo, sagrado e criativo

Irmã Agostinha Vieira de Melo(do bairro de Mandacarú), Ana Coutinho de Sales, Ana Adelaide Peixoto, Eliane Brum, Mary Judy Ress, Cicilia Peruzzo e Vitória Lima. Mulheres com diversos marcadores de diferenças entre si... e próximas por sua identidade, intimidade, autonomia, consciência e liberdade na busca diária por dizer algumas palavras. Fazendo de seus textos espaços de mediação, de vinculo social, memória, sobrevivência, transgressão, arte, restauração.
De um modo muito particular as linhas imaginárias e a tessitura dessas escritas femininas-feministas me tocaram ao longo desse último ano que marcou a entrada na Idade da Loba, num contexto no qual era necessário “cantar sobre ossos secos”, assim como La Loba, de Clarice Pinkola Estés . E retomar uma metáfora bíblica do texto de Ezequiel, em que num vale de ossos secos se vê literalmente brotar à vida, e cuja descrição assustadora e inteligente tanto poderia servir de inspiração ao George Lucas, quanto mostrar que a escuta e a descoberta das palavras que fazem sentido podem fazer renascer.

Essas mulheres sopram encantadoramente sua esperança em contextos difíceis, em solos áridos num mundo que parece às vezes desnorteado pelo excesso de verbos-imagens e ausência de sujeitos-humanos. Algumas escrevem poemas secretamente e escutam horas sem fim mistérios e sonhos de andarilhos que batem às suas portas ou que encontram nas ruas, na vida; outras provocam mulheres mundo a fora para reescrever sua própria história e falar desse tempo presente.
Às vezes elas moldam e refazem suas dores e perdas soprando suas palavras-chave como verdadeiros cristais. Elas acreditam e se deslocam de suas zonas de conforto, em direção “ao mais humano, a mais amor por tudo”.
Sei que no encontro com o silencio, a escuta, a leitura da narrativa dessas mulheres me descubro um pouco mais e sinto suas escritas como dádivas, assim como celebro o encontro das Águas (chuvas) e Terra, por tornar as estações fecundas.
Foto de Ícaro Azevedo,
escultura do artista paraibano Chico Ferreira