segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Em memória de quem partiu, mas que nunca nos deixou


Hoje é Dia dos Mortos, Finados, dia após o Dia de Todos os Santos. É segunda-feira. Aprendi melhor sobre a finitude da vida indo ao cemitério. Foi há algum tempo atrás, na minha infância.

Era levada por minha mãe para rezar junto ao túmulo da minha avó. Era um ritual. Nestas idas e vindas à Casa dos Mortos me chamava à atenção as flores que nasciam no lugar, as borboletas, os pés de manjericão e de modo muito particular as fotografias. Amava ver as imagens, pois era como adentrar num portal em busca de um tempo que nunca me pertenceu e do qual pouco, muito pouco saberia.

Estas coisas me tiravam o temor em observar as Casas Desabitadas que eram os mausoléus. Apesar dos momentos solenes da oração, do silêncio das lágrimas saudosas, havia também a possibilidade de brincar no labirinto entre as covas, correr no Cemitério, brincar de esconde-esconde.

Quando a infância por mim passou deixei de correr nestes labirintos, mas sobraram os momentos solenes de oração e lágrimas saudosas, permaneceram as imagens imortais e também o sentido sobre a vida e morte.

Ao assistir Volver, filme do Almodóvar, reencontrei-me com este momentos do meu jardim secreto de memórias e quando li sobre a vida de Frida Kahlo compreendi melhor porque o Dia de Finados era, apesar da morte, tão divertido. Quer no México ou em Patos, sertão da Paraíba, permanecia de certo modo, no inconsciente coletivo, a percepção de que morte e vida não são assim tão irreconciliáveis.

E o Dia de Finados, afinal, era um momento de preciosos encontros: entre pessoas de um mesmo lugar, de gente que há muito tempo não se via, entre desconhecidos, amigos, inimizades (onde o perdão tornava-se até algo possível), amores... dia de compartilhar o pão, momento de multiplicar-se.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Contrato com Deus



Li recentemente Will Eisner,uma clássica obra em HQ, reeditada por Devir Quadrinhos e comprada na Banca do Farias. Depois de escrever uma tese precisava me purificar. Primeiro veio Mundo Pet, do Lourenço Mutarelli, irresistível. Logo após veio a graphic novel do Eisner. A história que dá título a coletânea, Contrato com Deus (lançada em 1978, e contendo quatro histórias sobre a vida no Bronx dos anos 30), me habitou, e ainda estou com ela, guardada em um lugar secreto que nem sei se ouso tocar com tamanha intensidade com a qual o autor a construiu a partir de si mesmo e seu diálogo/conflito com o Divino.

A leitura voraz dos quadrinhos de Eisner revitalizaram a memória dos inúmeros contratos invisíveis construídos com o Sagrado ao longo dos meus dias, feitos à revelia dos corretores imobiliários da fé. Contratos muitas vezes sem palavras, ou papiro... Uns fiz ao vento, muitas vezes sentindo-me a mais especial das criaturas, outros no entanto, no subterrâneo, balbuciando, na tentativa de encontrar as asas ou os fios que me tirassem de alguns labirintos.

Na paisagem urbana de um cortiço, onde o que mais parece estar em evidência é a condição humana, Eisner desenha brilhantemente becos, personagens multiculturais, situações “fictícias” de mundos reais, demonstrando como um microcosmo pode ser expressão de questões tão universais como as perdas, a solidão, a solidariedade, o velho e o novo, a finitude e o renascimento. No cortiço descrito por ele o Sagrado deixa seus sinais nos umbrais das portas tal qual no Velho Testamento. Os personagens parecem bodes expiatórios de uma sociedade messiânica. Lembrei muito dos estigmatizados descritos por Goffman, inevitável.

Confesso que esta leitura está em aberto. De fato Eisner com sua genialidade e traços marcantes nos ajuda um pouco a rasgar o véu dos templos ...

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Grupo de mulheres lança campanha pelo uso de eco-mochilas para pão


O grupo de mulheres que integra a Casa Lilás lança nesta quinta-feira, 06, a partir das 15h, no auditório da Fundação de Ação Comunitária (situada na avenida Epitácio Pessoa, próximo ao Shopping Moriah) , em João Pessoa, uma campanha objetivando sensibilizar panificadores e população em geral a adotarem o uso de sacolas de algodão para transporte e armazenamento de pães e produtos de panificação. Este primeiro momento da ação procura dialogar com os fornecedores do Programa Pão e Leite, coordenado pela FAC numa política conjunta com o Governo Federal, reconhecendo a importância em articular uma ação social a estratégias de desenvolvimento sustentável.

A campanha em favor da utilização das eco-mochilas faz parte de um processo de educação ambiental que acontece no cotidiano deste grupo que é formado por aproximadamente treze mulheres que vivem na comunidade Novo Horizonte, bairro do Cristo Redentor. Segundo Josefa Bezerra da Silva, integrante da Casa Lilás, desde a formação do grupo de mulheres, em 2004, a equipe atua desenvolvendo ações de geração de renda para mulheres e educação ambiental.

As mulheres que participam da Casa Lilás realizam visitas semanais na comunidade objetivando sensibilizar e formar moradores para melhor utilizar os recursos naturais, tratar o lixo, reciclar materiais e melhorar as condições de vida da comunidade. Além das atividades de conscientização ambiental, de acordo com Gabriela Kieran, também integrante do grupo, as mulheres realizam oficinas pedagógicas com adolescentes do Novo Horizonte voltadas à educação ambiental.

Outro eixo importante deste trabalho comunitário, conforme Kieran é a trajetória das integrantes por garantir sua autonomia financeira e melhorar sua qualidade de vida, o que faz com que as elas realizem uma ação em rede fortalecendo a troca de conhecimentos entre si e a execução de projetos de geração de renda e formação profissional das mulheres envolvidas neste trabalho.

Atualmente a Casa Lilás tem uma linha de produção voltada ao artesanato e a serigrafia que possibilita a confecção das eco-mochilas para pão, bolsas, artigos de decoração, entre outros.Maiores informações sobre estas ações podem ser obtidas pelo telefone 9908-8756.

Como faziam nossas avós – Estima-se atualmente que até um trilhão de sacolas plásticas são produzidas anualmente em todo mundo. Segundo dados do Instituto Akatu, o Brasil produz mais de 12% todos os anos e 80% destas sacolas são utilizadas apenas uma vez. Estima-se também que feirantes de João Pessoa, gastem mensalmente com sacolas plásticas algo em torno de R$, 500,00, o que repercute diretamente no lucro dos comerciantes. Para reduzir danos ambientais causados pelo uso contínuo de sacolas plásticas, como entupimento de esgotos, bueiros, morte de animais marinhos por sufocamento, diferentes países e grupos têm retomado um costume tradicional, a utilização de sacolas de algodão para armazenamento de pães, e a substituição das sacolas plásticas por sacolas duráveis, o que possibilita a redução dos danos ambientais. e também a diminuição gastos por parte dos comerciantes com as sacolas plásticas.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Soneto de Separação. Por Vinicius de Moraes


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente

sábado, 18 de abril de 2009

A vida dos outros e minha ciberexistência



Assisti hoje ao brilhante filme alemão A vida dos Outros (2007) que fala sobre o sistema de informação na Alemanha antes da queda do Muro de Berlim e também sobre a condição humana em regimes totalitários (quaisquer que sejam as bandeiras políticas, mesmo a de Um novo mundo é possível, we can!!!). Encontrei por acaso numa locadora. O filme foi o ápice da semana oceânica neste mar de informações caleidoscópicas que se tornam quase onipresentes no cotidiano das pessoas.
Comecei a semana vendo a Paixão de Cristo, nos espetáculos já tradicionais da cidade, a propaganda sugeria um Cristo contemporâneo, encontrei um Jesus lobotomizado, adornado com luminárias fluorescentes de uma loja de 1,99. A “novidade” eram as drogas, especificamente o crack no dia-a-dia dos jovens (esqueceram que a Veja noticiou uma nova canabis). No mais tudo era muito arcaico na narrativa: uma mulher representando o diabo tentando o jovem messias num tubinho vermelho básico. E, vários jovens negros nos papéis de Judas, “viciados”, dançarinos de hip-hop da periferia, ah, e médicos redentoristas salvando jovens dependentes químicos nos leitos do SUS. Cena contemporânea, estereótipo pré-medieval, a vida sob o mesmo esquadro, “pela janela do carro, eu vejo tudo em quadrados, remoto controle”.
Como se fosse pouco, vi um homem morrer na televisão, o fato narrado não era o assassinato do palestino na fronteira com Israel, mas a camisa verde do Palmeiras que ele vestia. O símbolo Palmeiras tudo, o homem nada. Qual seu nome, sua luta, sua história, seus conflitos, sua utopia, o que estava fazendo, o que iria acontecer agora? Nada, nenhuma informação além do destaque da camisa verde limão. Eu vi um homem ser assassinado friamente na TV.
Repórteres fashion-week também narraram a bulemia, anorexia e obesidade em jovens, mas num mundo da comunicação todos-todos, a narrativa perdia por falta de outras conexões com cyber-corpo, com as tecnologias do corpo, com a fabricação e idealização social dos corpos. Me pergunto: The Sun always shine on TV?
Meu filho apela: “vou colocar um chip para você voltar a dar leite”, por Freud, salve-me Donna Harahay! Pois apesar do Renil não quero ser totalmente ciborgue.
Como hoje é sábado, viva a agenda cultural: uma notícia sobre exposição intitulada Aborígenes referindo-se aos indígenas potiguara que vivem na Baia da Traição. O que custava procurar o Google, Wikipedia ou até o site do Conselho Indigenista Missionário, Funai... O olhar exógeno, as mesmas imagens: indígenas e toré, tais quais os indianos das novelas de Gloria Perez não fazendo outra coisa senão dançar, adornados, excêntricos. Estou perdendo as esperanças na “arte contemporânea local”. Sem falar no recadinho da escola pedindo coisas que lembrem como viviam os índios.

O fluxo de ciberinformações é contínuo, adeus totalidade do pólo emissor, morte nos/dos mass media. Adeus Aristóteles, viva as mediações, amanhã a gente se fala!

Sandra Raquew Azevêdo

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Grupo de Pesquisa promove curso sobre reportagem na UEPB


O Grupo de Pesquisa em Jornalismo e Literatura (GPJL) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) vai promover um curso de curta duração com o tema "A reportagem de Realidade", que será ministrado pelo professor Carlos Azevedo nos dias 18 e 19 de março,sempre das 15 às 18h, na sala das Eletivas. As inscrições são gratuitas e estão sendo feitas na Secretaria do Curso de Comunicação, no Bairro de São José, em Campina Grande. Os participantes irão receber pasta com material didático sobre o assunto e certificado ao final do curso.

"Para priorizar a qualidade, iremos abrir apenas 25 vagas, uma vez que o trabalho com um pequeno grupo proporciona uma melhor interação e aproveitamento", revelou o professor Carlos Azevedo. Segundo ele, o curso propõe de maneira rápida uma formação sobre os principais nomes da reportagem brasileira que passaram pelas páginas da revista Realidade, considerada um marco na história do jornalismo brasileiro.
“Precisamos entender a revista Realidade não só como parte da história da imprensa brasileira, mas também como uma das mais importantes e bem sucedidas experiências de jornalismo literário no Brasil. A realização do curso vai oportunizar aos jovens estudantes de jornalismo o contato com textos de verdadeiros artífices da reportagem. Vai ser uma experiência marcante para a formação cultural deles”, comentou o professor Carlos Azevedo.
O Grupo de Pesquisa em Jornalismo e Literatura (GPJL) é cadastrado no Diretório Geral dos Grupos do CNPq e também é certificado pela Pró-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PRPGP) da UEPB. Reunindo professores e estudantes de jornalismo de todo o Estado, o GPJL foi criado em agosto de 2008. O Grupo de Pesquisa atua em três linhas: “A crônica no jornalismo paraibano, gênese e desenvolvimento”, “Hibridismo e ruptura de gêneros no jornalismo contemporâneo” e “Suplementos literários e Jornalismo Cultural”.
Participam do Grupo professores como o crítico literário Hildeberto Barbosa Filho (autor dos livros “O escritor e seus intervalos” e “Às horas mortas”, ambos publicados pela Idéia Editora), o professor Edônio Alves do Nascimento (“As ligações perigosas-jornalismo e literatura na década de 70”, pela editora da UFPB) e a pesquisadora Sandra Raquew dos Santos Azevedo ( autora de “Gênero, rádio e educomunicação” e “Cartografias”, publicados pela UFPB).
“Através do estudo da Crônica pretende-se produzir pesquisas sobre a relação entre jornalismo e literatura no trabalho de escritores/jornalistas paraibanos, como também a realização de pesquisas que enfoquem a relação entre crônica, cotidiano e cidade; entre crônica e outros gêneros jornalísticos/literários”, revelou o professor Carlos Azevedo, líder do GPJL.
“Pretendemos também no grupo estudar as relações estabelecidas entre a literatura e a crítica cultural que se produz hoje na Paraíba. Pensar historicamente a crítica literária através de seu desenvolvimento e transformações. Estabelecer um diálogo entre o pensamento acadêmico e os profissionais que atuam na crítica cultural do Estado”, afirmou o professor.

O professor Carlos Azevedo é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e na mesma instituição concluiu o mestrado em Letras, com dissertação sobre a participação do escritor-jornalista João Antônio na revista “Realidade”, na década de 60. A dissertação foi publicada em forma de livro pela Idéia Editora de João Pessoa. Docente do Curso de Comunicação Social da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), concluiu o Doutorado em Letras na Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Assis, interior de São Paulo, com uma tese sobre a escritura híbrida de João Antônio, orientada pelo professor doutor Antônio R. Esteves.
Maiores informações sobre o Grupo de Pesquisa em Jornalismo e Literatura (GPJL) podem ser obtidas na página (http://gpjl.blogspot.com/) ou pelo telefone 9179-3836, diretamente com o professor Carlos Azevedo.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Teologia e Multiculturalismo




Acontece na próxima quarta-feira, 18, na Universidade Metodista de São Paulo, às 19h, o lançamento do livro Teologias com Sabor de Mangostão ( NhandutiEditora), organizado pela teóloga feminista Isabel Aparecida Félix. A publicação é uma homenagem à também teóloga Lieve Troch, que nasceu na Bélgica e ao longo do seu trabalho vem se dedicando a temas como teologia intercultural e inter-religiosa.
Lieve Troch é uma das escritoras contemporâneas que tem realizado uma crítica ao pensamento teológico tradicional, ao lado de escritoras como Ivone Gebara, Mary Judith Ress, Elisabeth Schüssler Fiorenza, Mary Hunt, Sandra Duarte, Monja Cohen, Maria José Rosado entre outras.
O que mulheres de diferentes culturas e trajetos religiosos têm em comum? Uma atuação centrada no discurso feminino sobre o Sagrado, capaz de aproximar um tema tão denso quanto a teologia ao cotidiano.
Ao olhar criticamente o cânone religioso autoras como Lieve Troch vem tecendo uma perspectiva mais plural no campo das ciências das religiões. Uma história não tão recente, mas que toma uma maior amplitude a partir dos anos 60/70 com o surgimento de uma teologia a partir dos pobres, a Teologia da Libertação, e ainda sob a influência das teorias de gênero e as ondas feministas.
A Teologia da Libertação que gerou rupturas importantes vai abrir caminho para novas reflexões teológicas capazes de estabelecer conexões com questões contemporâneas relevantes como são hoje os estudos sobre identidades, migrações, (des)territorialidade.
No trabalho de Troch uma questão é central: fronteiras e suas ambigüidades. “Fronteiras fazem parte da vida, no nível pessoal e estrutural. Fronteiras constroem identidades de sujeitos, de povos, de instituições, de religiões e de pensamentos. Parece necessário viver com fronteiras para conservar a identidade pessoal e estrutural. A violação das fronteiras corporais, espirituais e culturais de mulheres e homens, de povos indígenas destruiu sua integridade e sobrevivência”, argumenta.
A fronteira no pensamento da teóloga é um signo central e sistêmico, capaz de produzir inúmeras variantes. Não é por acaso que o livro Teologias com Sabor de Mangostão conta com a colaboração de autoras e autores de diferentes continentes e de distintas práticas religiosas, o que permite contribuições teóricas importantes para o entendimento de que a teologia contemporânea acontece especialmente marcada pela mobilidade dos sujeitos.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Reengenharia do tempo em O curioso caso de Benjamin Button



Tomo emprestado o título do belíssimo livro da Rosiska Darcy de Oliveira(publicado pela Rocco, 2003) para comentar o filme O curioso caso de Benjamin Button, dirigido por David Fincher. Para além de contar uma história de amor, o drama baseado num escrito de F. Scott Fitzgerald, cujo roteiro é de autoria de Eric Roth nos fala sobre o tempo como metáfora da condição humana.
A fotografia do filme fortemente marcada pelas cores sépia e azul são referências marcantes nas cenas, em que cada momento possui uma matiz simbólica própria, que associados ao nascimento e ao por do sol nos remetem a aliança entre vida e morte tão fortemente presente nos ciclos da natureza e representados na película. A história do homem que nasce sendo velho e morre ao rejuvenescer narra a capacidade humana de constante construção e reconstrução de sua própria história. Na vida de Benjamim Button nada parece estar tão ao acaso, sequer o “destino”.
Inteligentemente diretor e roteirista teceram esta adaptação com foco não apenas no amor entre os protagonistas( Brad Pitt e Cate Blanchett), que atuam brilhantemente, mas também em confronto com os fatos históricos que marcaram o século XX e XXI, especialmente mostrando as guerras e os prenúncios do Furacão Katrina que em agosto de 2005 deixou mais de mil e oitocentos mortos, denunciando assim a violência instituicional que paira sobre todos nós.
O relógio girando ao contrário, o envelhecer como nascimento, a morte sem sentido através das guerras e do descaso com a vida, a arte como espiritualidade e ethos, a fluidez e mobilidade das relações amorosas como parte da vida, a ruptura com as normatizações em torno dos afetos, os abandonos e a solidariedade, a humanização do ato de morrer são alguns dos aspectos presentes na reinvenção do cotidiano presente nesta narrativa.
Ainda no filme, a estação do trem e as águas são representações importantes da mobilidade humana que não perde a capacidade de surpreender, e mesmo para quem se propõe ficar no mesmo lugar não passa imune ao ser confrontado à realidade de que na vida como na morte há aspectos da passagem humana que não se pode represar.
O Curioso Caso de Benjamin Button é uma oportunidade quer seja de lazer e entretenimento apenas, quer seja de uma busca silenciosa para os que tem fome de alma(anima). É um filme que traz alianças e rupturas, risos e lágrimas, errância e permanência, sombra e claridade, vida e morte não como uma dialética raivosa, mas como expressão da multidimensionalidade da condição humana. A cronologia as avessas do filme é embalada pela musicalidade ímpar do jazz e blues, pela singularidade artistica de Nova Orleans.

Sandra Raquew dos Santos Azevêdo é jornalista e autora dos livros Cartografias. Escritos sobre mídia, cultura e sociedade e Gênero, rádio e educomunicação: caminhos entrelaçados(ambos pela Editora da UFPB).