sexta-feira, 5 de junho de 2015

GRANDES OLHOS E A VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

Margaret Keane e sua obra artística
Foto de divulgação da CBS NEWS



Recentemente tive a oportunidade de ver o filme dirigido por Tim Burton( Big Eyes, 2014), e protagonizado por Amy Adams e Cristoph Waltz, sobre  a pintora Margaret Keane. Embora o filme seja ambientado nos anos 1950, a sua temática apresenta uma experiência vivida por mulheres em pleno Século XXI: a violência patrimonial.
O filme populariza a história da artista, que foi uma das mais rentáveis dos anos 1950, mas  cujo trabalho autoral só fora reconhecido após levar seu marido, Walter Keane, ao Tribunal. Motivo: roubo de propriedade intelectual. O marido por cerca de dez anos se apoderou do dinheiro  e do reconhecimento social que seria por direito de sua esposa, afirmando ser ele, o verdadeiro autor das obras de Margaret.
Apesar de toda excelência do filme, tanto pelos intérpretes, quanto na primorosa direção de arte e fotografia,  Big Eyes não me saiu da cabeça por me fazer lembrar inúmeras personagens femininas que enfrentam sob diferentes aspectos esse tipo de situação. Diria que a cultura de violência contra mulheres é complexa e tanto quanto as agressões físicas, humilhações verbais e estupros, é difícil falar publicamente sobre um contexto no qual os companheiros/companheiras (filhos, entre outros) das mulheres se apropriam de seus bens materiais e de sua propriedade intelectual.
Falar nesse assunto é difícil por se tratar da intimidade das pessoas, e por muitas mulheres ainda insistirem  em manter a imagem de estar vivendo relações justas, igualitárias, sem grandes problemas ou um ‘conto de fadas'.Ou porque ainda muitas querem manter uma reprodução dos papéis tradicionais de gênero em que o homem aparece como mantenedor, ainda que apenas em seu imaginário. Ou por uma situação ainda mais real que é o medo de se ferir, de perder e de morrer.
A questão é que a violência patrimonial é caracterizada por uma conduta que se traduz na retenção, subtração ou destruição parcial ou total de bens, de objetos, de instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos. Há situações de coerção, humilhações, roubo, enfim, de inúmeras apropriações indevidas. 
Todavia no tocante à violência patrimonial acho que além do direito ao que lhe pertence material e intelectualmente, há situações em que se roubam os desejos e necessidades da outra pessoa, os sonhos, a vontade de querer. 
Anos atras fiz uma pesquisa sobre participação das mulheres nos mercados das feiras orgânicas e impactos sobre a autonomia feminina, e as situações de violência patrimonial estavam sutilmente lá estabelecidas: no controle do dinheiro pelos homens; na apropriação da força de trabalho das mulheres por maridos, filhos; na subtração de suas necessidades básicas em detrimento às necessidades da unidade doméstica. Por outro lado, o acesso aos mercados, em alguns contextos, era conquistar o direito de ir e vir; de poder ver (re)conhecida suas capacidades; de poder desejar sem subordinar seus sonhos a outros, era conquistar legitimidade social.
Hoje por coincidência encontrei uma mãe que reclamava do filho, que queria impor a ela o seu sustento e de sua companheira. Aflita falava em procurar a Delegacia por se sentir ameaçada.
Por isso acho a violência patrimonial tão perversa quanto as demais tipologias de violência contra mulheres, porque no imaginário de quem a exercita, elas não estariam fazendo mais que sua obrigação de mãe, esposa, mulher… ou sendo ameaçadas e penalizadas por não cumprir as demandas de cônjuges, filhos(as), companheiros e companheiras.
O drama de Margaret Keane revela esse lado muitas vezes oculto das relações entre homens e esposas; mães e seus filhos(as) e entre as próprias mulheres.