Sandra
Raquew dos Santos Azevêdo.
Último dia 19, numa terça-feira, o homicídio da professora
universitária Bríggida Roseli de Azevêdo, 28 anos, pautou os principais meios
de comunicação do Estado. A professora foi assassinada dentro de casa, conforme
a imprensa, com sinais de asfixia por estrangulamento. Por se tratar de uma
ocorrência que envolvia um suspeito advindo de família tida como tradicional na
sociedade paraibana, o evento noticiável adquire, conforme discute a socióloga
Eva Blay(2004), maior notoriedade no agendamento midiático.
O que nos alertou na cobertura sobre a violência contra
mulher, não foi a constatação de como os assassinatos femininos resultantes das
desigualdades de poder entre os sexos é vergonhosamente uma prática cultural
crescente e em grande parte impune na Paraíba desde o início dos anos 1980. Basta lembrar os casos mais antigos como da
poetisa Violeta Formiga e um dos mais recentes como de Aryane Thaís Carneiro e
das mulheres de Queimadas, estupradas, assassinadas e jogadas nas ruas da
cidade. Triste também foi perceber, ainda que em ano eleitoral, a falta de
agenciamento e debate político sobre o enfretamento desta questão por parte de
candidatos às prefeituras, câmara de vereadores demonstra a falta de interesse
também dos partidos e agentes políticos.
A percepção do
assassinato de mulheres, divulgado como crime passional nos jornais, causa
desconforto. Não só pelo sensacionalismo adotado na cobertura por parte de
alguns veículos de comunicação. Mas pelo campo de significação e de atribuições
constituídas em torno da narrativa jornalística sobre essa pauta. No caso da
notícia do assassinato de Brígidda foi veiculado na imprensa local que o
suspeito do assassinato havia, em contato telefônico com a mãe da vítima,
declarado ter “feito uma besteira”. Parece-nos ser esse sentido inacreditável,
uma vez que, o dicionário nos aponta para o sentido de besteira como coisa ou
quantia insignificante. Diferentemente do que de fato ocorreu, ou seja, um
crime, que, segundo o conceito formal é “uma violação culpável da lei penal,
delito”.
Lamentavelmente o atributo de besteira colocado como um dos
enquadramentos descritos na narrativa do crime pela imprensa ao narrar este
acontecimento nos instiga a pensar que, diferentemente dos assassinatos
provocados pela violência urbana, os crimes contra mulheres compreendidos como
violência de gênero são encarados por uma parte significativa da sociedade e/ou
pelo poder público como pouco ou nada relevante, resultando de certo modo numa
ação de alinhamento. Uma ação de alinhamento é qualquer comportamento que
indica a outras pessoas a aceitação da definição particular de uma dada situação
(Goffman,1995). Diferentemente de uma situação de realinhamento, na qual emerge
uma tentativa de mudar a definição da situação.
Sob nosso ponto de vista uma narrativa sensacionalista e/ou
conservadora sobre crimes contra mulheres pode refletir ou produzir no
imaginário da população um alinhamento social com um sentido de conformidade
com a violação do direito das mulheres à vida. O acontecimento irrompe na
mídia, tendo forte presença na hierarquização das pautas, entretanto, posteriormente
sai do topo rumo a um curso decrescente, obtendo em alguns casos tratamento
banalizado e mercantil, numa ritualização da violência, muitas vezes mascarada por
uma espécie de tribunal midiático.
O sensacionalismo e a invisibilidade mostram por sua vez um
comportamento bipolar no tratamento jornalístico sobre a violência contra
mulheres, felizmente percebido por algumas instituições, agentes públicos e
poucos profissionais de imprensa como violência de gênero.
Na ocasião da cobertura do assassinato da professora
Brígida Roseli de Azevêdo teve ainda grande relevância à ampliação da pauta por
poucos veículos que trouxeram um serviço de informação de qualidade, ao mostrar
o ciclo da violência doméstica, a Espiral da Violência, de forma pedagógica,
para que vítimas e/ou leitores pudessem compreender quão importante e complexo
é esse problema na sociedade brasileira. Um crime no contexto da violência
doméstica e de gênero é um estopim que desvela, torna público uma situação pré-existe
no interior de uma família, independente de sua classe social, e uma prática
social perversa de subjugo e violação de um indivíduo por sua condição de
gênero.
Quando a violência contra mulheres passa a ser compreendida
como uma violência de gênero, uma injustiça social, da qual o Estado precisa
tomar parte, e uma cultura sexista precisa ser superada, consegue-se avançar
alguns passos no que Nancy Fraser(2012) enfatiza como redistribuição corretiva
e redistribuição transformadora, enquanto concepção universalista do
reconhecimento, ou seja, a igualdade moral das pessoas. Rumo a uma comunicação
cidadã e a preservação da vida de todos, quer seja mulheres ou homens.
[i]
Esse texto é dedicado à memória da professora Briggida Roselí de Azevêdo e aos
colegas jornalistas Mabel Dias, Edileide Vilaça, padre Albeni Galdino e
Eripetson Lucena.